Existe uma operação de charme muito sugestiva que algum discurso mediático tem reproduzido em relação a ESSENTIAL KILLING, o último filme do realizador polaco Jerzy Skolimowski. Consiste em colocar a aventura minimalista, sem diálogos, do fugitivo Vincent Gallo, entre dois pólos de fácil interpretação: de um lado, a capitalização piedosa, ficcional, da mentalidade de um prisioneiro de guerra, nesta guerra incerta contra terroristas, surgida do pós 11 de Setembro; e por outro, ver nesta fuga desnorteada, no Vincent Gallo «talibã», «Guantanamo» ou «Abu Grahib», um alter ego, um Jerzy Skolimowski prisioneiro da sua biografia, por exemplo obrigado a fugir em 1967 do seu país, na sequência da proibição de HANDS UP! (1967), ou em outros episódios de rejeição, em que o político e o cinematográfico criaram linha de tensão.
Contudo, há marcas deste ESSENTIAL KILLING que subsistem muito para além desses cruzamentos de sentido imediato. O que poderia até parecer uma contradição pois os vestígios na neve são da ordem do perene. Este desnorte do protagonista do filme de Skolimowski faz bastante mais por nós – nós entenda-se, homens, mulheres e crianças que nunca «fugiram» desta forma pela geografia – do que simplesmente não falar ou lutar pela vida. Trata-se de um desnorte verdadeiramente cinematográfico, que Jerzy Skolimowski quis colocar no centro de um «thriller político», não apenas para o fazer «explodir», mas sim para explorar o avanço pela terra, em regime de sobrevivência, como um sistema de ritmos vitais, uma verdadeira eulogia do «em fuga». Correr pelas florestas polacas cobertas de neve, subir a montanha, comer árvores ou formigas, tudo ritmos vitais que exigem do viver uma linha estética apuradíssima.
Dessa linha faz ainda parte a morte, que às mãos do prisioneiro Vincent Gallo é essencial. Essa essencialidade não impede de deixar como grande ponto de interesse desta experiência etnográfica que é ESSENTIAL KILLING, a produção de morte como um gesto sem mágoa, reflexão ou preparação. Longe da associação simbólica que caracterizou parte da obra do cineasta polaco, ou dos fragmentos do passado da personagem de Vincent Gallo, trata-se de uma real preparação para a morte pelo acto do matar. Um caminho inóspito, não psicologizado, de progressiva entrada de um homem num bestiário, ele sim, essencial. Dos javalis ao tiro na cabeça, do seio à moto-serra - um mesmo ritmo. Neste, a preparação para a morte não vem antes de uma vida verdadeiramente livre: a animal.