segunda-feira, 28 de junho de 2010

Lição de Primitivismo

COBRA é um movimento artístico criado em Paris, 1948, por poetas e pintores de origem dinamarquesa, belga e holandesa. O seu nome vem mesmo daí: CO de Copenhaga, BR de Bruxelas e A de Amesterdão. Três foram os anos que durou, tempo suficiente para marcar uma posição contra o convencionalismo, dizia-se, na arte ocidental e buscar no primitivismo das culturas colonizadas a verdadeira origem criativa.

O Museu Cobra em Amstelveen tem como missão expor e documentar esta corrente fundamental da arte contemporânea holandesa. Quando por lá passei, estava a decorrer uma exposição de Mogens Balle, um pintor dinamarquês influenciado pelos COBRA. Do “primitivismo” alardeado fica-me a superficialidade, a ingenuidade e a culpa de um olhar artístico sobre o “outro” colonizado. Nada de novo.

Mas de verdadeiro primitivismo, denso, cheio de vitalidade, que ultrapassa culturas (e sobretudo a sua história de dominadores e dominados), fica-me este Song of Complaint de Mogens, uma alucinação de felicidade “doente”, pintada no ano em que morreu.



E regressei a casa a pensar nessa maneira bonita de acabar, de lamento cantado, de afirmação da beleza e da força do fim. No caminho passo por um cemitério e pessoas, de preto, com ramos de flores, chegam a um funeral… de bicicleta.

domingo, 27 de junho de 2010

Está Quase



Ontem, ao rever Aquele Querido Mês de Agosto rodeado de emigrantes portugueses, (uns já de há largos anos, outros noviços que apenas começam a sentir a comichão da distância), dei por mim a pensar em “realismo poético” português. Será?

Foi tão fácil sentar-me em 2008 numa sala de cinema de Lisboa e gostar do filme de Miguel Gomes pelas razões óbvias. Não quero ser mal interpretado, Aquele Querido Mês de Agosto não deixa de ser uma obra central nessa eterna demanda de aproximação público/cinema português.

Contudo, agora, visto a milhares de quilómetros, ganha um contorno de poesia cruel onde se prova que o olhar culto pode (e deve, mesmo) repoetizar o popular sem lhe extrair a dignidade. Dando-lhe apenas mais uma perspectiva. Entre muitas, tantas, possíveis.

Quanto de carne, destas maravilhosas encarnações de um mundo que (merda!) também é o meu, me trouxeram para um lugar do qual passei anos a tentar escapar. A minha morada sou eu e todos os minutos que vivi. Deslumbrado, revoltado, com vontade ora de entrar ora de sair, mas em que respirei. E por isso vivi.

Quero que Agosto chegue e depressa.

domingo, 6 de junho de 2010

Às vezes a sodomia compensa


Reacção dos executivos da Warner ao pitch de Deliverance de John Boorman:

“Wait a minute. Three guys with canoes go into the country for the weekend, and a brain damaged boy plays a banjo solo on a bridge and then one of them gets fucked in the ass – you think that’s a movie?”

Ninguém pensava, de facto. Mas a contracultura americana dos anos 70 foi sempre mais de corpos a fazer coisas, “possuídos” por um espírito de liberdade que podia tocar ora o infantil ora o perverso.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Ode às velhas alegrias



"It’s all about space and time and how sometimes they change the rules." - Kurt (Will Oldham)

in Old Joy - Kelly Reichardt

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Los Muertos- Lisandro Alonso


Há poucas palavras com a mesma força telúrica dos planos iniciais de Los Muertos, de Lisandro Alonso. Trata-se de uma iniciação à força fantasmática da natureza, em tudo o que esta tem de poderoso e arrepiante, numa deambulação atmosférica, desfocada, fantasmagórica que nos dá a floresta que acomoda os primeiros mortos do filme. Pausa. Venha a realidade, se faz favor. Nesta, Vargas, um homem com perto de sessenta anos, de semblante introspectivo, trabalha em carpintaria e come sozinho esperando o momento da sua libertação. Por mais celas, grades ou jogos de futebol no pátio comum, a “prisão” de Alonso, a de Vargas, é sempre um espaço de liberdade. Esta é a primeira das inversões de expectativas do filme. Outras se seguirão.

Vargas sai e vai iniciar uma viagem de regresso à sua terra para se juntar à mulher e filha. Neste regresso, Vargas cumpre a promessa de entregar uma carta à filha de um outro recluso, compra doces e roupas para a sua própria filha, da qual não sabe bem a idade, antes de iniciar longa viagem de canoa pelo interior da floresta. O deslocamento realista do cenário natural, este sim filmado de forma serena e aprisionante, vai construindo, com imagens órfãs, os outros “mortos” da obra de Alonso: a realidade que deixou não é mais aquela que sobrevive, a não ser na sua memória pessoal. A morte dessa realidade, dessa expectativa, é a força do cinema de Alonso, cineasta que filma o regresso como se de um início se tratasse.